Tomo a liberdade de usar o blog da equipe para relatar minha viagem de bike destas férias (até porque isso aqui tá meio parado, mesmo, rs...).
Abraço
Jean
=================================
Planejamento e dias anteriores:
O questão toda sempre foi encaixar um roteiro nos dias de férias. Acabei decidindo por fazer uma viagem de mais ou menos uma semana, seguida da uma semana de praia para completar as férias. Resolvi iniciar e terminar fora de Estrela, encurtando o trajeto. Acabou ficando bom, pois o roteiro original, de quase 1000 km, ficou reduzido para perto de 550 km, plenamente realizável em 6 dias, e ainda permitia que eu fizesse os locais por mim considerados 'obrigatórios', o Cânion Monte Negro, a Serra do Rio do Rastro e o litoral.
Emprestei com o Ricardo 'Schmia' material para acampamento. Bivac, isolante, fogareiro, saco de dormir, etc. Coloquei tudo no bagageiro e... 'putz! é muita coisa!'. Mudança emergencial: levar só o básico e ficar em pousadas.
Ainda consegui reservas em pousadas para 3 noites, mas em 2 deixei para escolher na hora. Os locais escolhidos para pernoitar foram baseados exclusivamente na distância a percorrer em cada dia (aprox. 100 km). Por exemplo, ao invés de pernoitar em São José dos Ausentes, optei por andar mais 40 km e ficar em uma pequena vila, para iniciar o dia seguinte já bem próximo do Cânion Monte Negro.
1o dia:
Saí de Canela, passando na catedral para o registro oficial da saída. O pedal até São Francisco de Paula foi de 'ajuste da bike' conferindo regulagem do selim e guidão. Tudo o que eu não queria era uma dorzinha chata me incomodando por 6 dias, rs... Mas foi tudo tranqüilo. Só a performance me incomodava, o peso do bagageiro estava grande, realmente não estava rendendo com eu esperava.
Depois de São Francisco a região já começa a ficar desabitada, por isso, por volta das 12:00 fiz a minha parada para lanche reforçado (macarrão instantâneo na sombra à beira da estrada). Isso era perto de Tainhas, onde há o cruzamento com a Rota do Sol, e o mané aqui esqueceu que uns 10 km adiante tinha um baita restaurante, hehehe... Mas tudo bem, pelo menos rendeu uma foto prá dizer que fui um pouco 'aventureiro', hahaha...
O primeiro dia foi como um trecho 'estendido' de Estrela até Colinas, asfalto com algumas subidas e descidas leves, bem tranqüilo. A exceção foi a subida sacana depois do pórtico de Cambará do Sul, bah, uns 2 ou 3 km prá realmente terminar bem o dia.
Encerrei com uma bela alaminuta no único lugar barato aberto em Cambará do Sul.
Km do dia: 114
Média pedalada: 16,5
2 dia:
Consegui ver o sol da janela da pousada por uns 15 minutos e depois o tempo fechou, nuvens pretas já apareciam no horizonte. 'Ensaquei' o alforje com uma capa esperta providenciada pela Patrícia.
Eu havia soldado no bagageiro um pedaço de ferro em cada lateral, para evitar que o alforje, ao balançar, encostasse nos raios. Mas esses ferros, roçando no alforje, estavam rasgando ele. Por conta disso, acabei amarrando as pontas do alforje no bagageiro e isso provocou uma mudança inesperada: o alforje bem preso fez uma diferença enorme na pedalada, o rendimento aumentou, nem parecia que eu estava carregando todo aquele peso. Fica a dica...
Saíndo de Cambará entrei em terreno desconhecido. Uns 6 km de asfalto em construção e depois estrada de chão. Bem empedrada, mas pedalável. Passei pela Vila Ouro Verde, comunidade que se formou nos arredores de uma imensa usina de celulose. Rendeu uma foto interessante, um contraste triste entre a natureza e a 'civilização'...
Aí começou o perengue... subidão depois da usina e chuva forte. Bagageiro resistiu bem, mas a capa de chuva da Tati me deixou úmido e o frio começou a pegar. Passei pelo posto de fiscalização do ICMS perto da Serra da Rocinha (até pensei em ir até lá, mas eram 3 km de subida e desisti, hehehe). Peguei mais uma subida forte depois do pesque-pague e cheguei em São José dos Ausentes só lá pelas 14:00, bem depois do que eu tinha planejado.
Cansei bastante nesse trecho, por causa das subidas, do frio e da chuva. Fiz apenas uma parada no único teto que encontrei (uma parada de ônibus).
Mas, como sempre falamos nas corridas, procurei não racionalizar muito antes de comer, hehehe, assustei a moça da lancheria da rodoviária de Ausentes tomando 3 cafés pretos, rs, e depois de matar a fome até o sol apareceu prá melhorar a tarde. Não sei se o termômetro de Ausentes estava certo, mas marcava 18 graus as duas da tarde, em pleno mês de janeiro...
A tarde foi completamente diferente. A estrada até Vila Silveira, local onde havia reservado a pousada (janta incluída, que beleza), era bem melhor e o terreno mais plano. Finalmente apareceram os 'campos de cima da serra'.
Acabei chegando lá antes das 16:00, tive que esperar a dona da pousada abrir - exclusividade minha, que chiqueza!
Vila Silveira é uma pequena localidade com 800 habitantes, de onde se vai para São Joaquim, passando pela região das cachoeiras, vários locais para visitar (que o Kieling fez da outra vez), ou se pega a direita para ir ao Cânion Monte Negro e posteriormente para Bom Jardim da Serra, já em SC.
Passei um bom tempo conversando com o simpático casal da pousada, acabei sabendo que o avô do dono teria abandonado uma sesmaria (nem sei se o nome na época era esse) aqui na região de Estrela, numa época onde a lei era feita pelos donos das terras, segundo palavras dele mesmo. Acabaram 'se refugiando' naquela região e hoje sobrevivem plantando batatas (outra coisa que eu não sabia), e vendendo até para o estado de São Paulo.
Eles não me incentivaram em ir ao Cânion e nem em ir prá São Joaquim, afinal, o tempo estava feio e acho que eles não levaram muita fé no meu pedal, hahaha... Mantive meus planos de ir até o 'ponto mais alto do RS'...
Depois da melhor janta da viagem, capotei. Foi uma noite sem muito conforto, mas bem legal, cheia de histórias.
E estava mais frio do que em Ausentes, brrrrr....
Km do dia: 78
Média pedalada: 12,8
3o dia:
Agora eu estava em terra de ninguém. Pedalei por toda manhã e só vi duas pessoas: uma mulher em uma pousada perto do Cânion Monte Negro e um tropeiro levando seus bois pela estrada.
Eu já previa isso, por isso comprei meu 'almoço' (pastel + coca) na padaria de Vila Silveira no dia anterior.
Cheguei ao Cânion perto das 10:30, mas - frustração total - tempo totalmente encoberto. Prá compensar, a região ali perto é bem bonita, consegui algumas fotos legais.
Agora, era adentrar o estado vizinho. Perto do meio-dia passei pela localidade da Várzea, onde a paisagem já começava a mudar, os campos deram lugar a pequenas 'serras', intermeadas - justamente - pelas várzeas. Passei por 3 dessas até Bom Jardim da Serra, e sabe como é uma várzea, né: precedida por uma longa e adrenalizante descida, passando por algum curso d'água, e seguida por uma longa e aterrorizante subida!!!
E assim foi o resto do meu dia, descendo e subindo, hehehe...
Passei pela divisa entre RS e SC (será que passa algum carro aqui????) e enfrentei a pior subida de todas. Almocei no final da subida, num bosque de araucárias fantástico, onde eu visualizava o glorioso estado do RS à distância.
Muito bonita essa região até Bom Jardim da Serra. E inóspita também. Vi macieiras, rios, cascatas, serras e muitas, muitas araucárias.
Uma derradeira subida e cheguei até Bom Jardim da Serra. O local está 'atrolhado' de gente envolvida na construção do parque eólico, por isso fiquei na primeira pousada que achei e gastei um pouco mais, mas tive a melhor noite da viagem, num colchão de molas tamanho 'queen', que beleza...
Km do dia: 76
Média pedalada: 11,1
4o dia:
Muita expectativa, afinal, em pouco mais de uma hora eu estaria descendo a Serra do Rio do Rastro, objetivo principal dessa minha indiada. Pelo menos, era o que eu pensava...
O dia até que estava bonito, temperatura boa, local bom para pedalar. Mas as placas avisavam: local de muita neblina. Não deu outra, cheguei no mirante da serra e só se via branco. Prá quem conhece, na borda do mirante, olhando em direção a rodovia, não dava prá ver nem até a metade do estacionamento...
Já que eu só teria asfalto a partir de agora, esperei. E esperei, e esperei, e esperei... os quatis já estavam me mandando embora, enjoados da minha presença, hehehe... Ao meio-dia em ponto (3 horas esperando) desisti e comecei a descer.
Curti bastante, mas não deu prá ter aquelas fotos clássicas da serra.
Desci acompanhando dois motoqueiros de Tabaí que encontrei por lá. Muitas fotos, inclusive de um caminhão que havia descido um barranco na noite anterior.
Podia ser melhor, mas descer com pista molhada e frio também tem lá sua graça! U-hu!
Nesse ponto eu já estava bem atrasado no meu panejamento, que era ir pelo asfalto, passando por Urussanga e indo até Criciúma e depois Araranguá. A hospedagem que eu tinha consultado por lá era cara e eu estava sem reserva. Tudo isso junto me fez ligar o 'foda-se'... Acabei saindo do meu roteiro e fiz um bom trecho por estrada de chão até Criciúma, passando por Treviso.
Em Criciúma, parei numa loja de bicicletas e pedi algumas dicas. Um pessoal bem camarada me incentivou a ir pelo interior, passando pelas cidadezinhas ali perto, e até ligaram para um hotel e fizeram uma reserva para mim.
Confesso que pelo horário (perto das 18:00), não me pareceu uma boa idéia fazer mais 35 km, mas com a reserva garantida e meio que 'chocado' pelo barulho e movimento de Criciúma, afinal eu tinha passado 3 dias em solidão absoluta, hehehe, acabei aceitando a idéia.
E foi bom, conheci um local onde eu dificilmente passaria se não fosse essa chance. E o trajeto era basicamente uma imensa reta, plana e asfaltada. Em menos de 1,5 hora fiz os 35 km e fiquei hospedado na cidade de Meleiro. Foi a primeira noite de calor na viagem. Dois ventiladores ligados no quarto. Aproveitei e lavei todas minhas roupas e coloquei prá secar em frente aos ventiladores.
Km do dia: 122
Média pedalada: 19,0
5o dia:
Sair do planejado me fez bem. Apesar do longo trecho do dia anterior, acordei me sentindo ótimo. Pedalei tranqüilo pelo asfalto plano até a BR-101, praticando a arte da 'auto-fotografia-em movimento', rs...
Na BR-101, em obras, foi tranqüilo pois a segunda pista está pronta em vários trechos, mas fechada para trânsito, ou seja, praticamente tinha uma enorme 'ciclovia' prá mim.
Perto de Sombrio encontrei o Gabriel, ciclista que estava vindo de Curitiba e pretendia ir até o Chuí. Conversamos um pouco, ele estava querendo pedalar o mais rápido possível e chegar logo ao seu objetivo, mas convenci ele a conhecer a praia de Torres. (
blog do Gabriel)
Tivemos uma ótima conversa de Sombrio até o Balneário das Gaivotas (ou Balneário Gaivota, não tenho certeza). Conversa de ciclista, imagina... sobre os benefícios da atividade física (isso começou quando falei prá ele que tinha 37 anos - ele tinha 20), sobre as pessoas que não entendem, admiram ou até criticam viagens como as nossas e sobre o 'espírito'/cabeça que um cicloturista precisa ter para encarar dias ou semanas andando sozinho.
Nessa hora sempre vem aquela inspiração, aquele 'insight'... a maioria das pessoas tira férias e tenta ocupar todo seu tempo com atividades mil, a cabeça parece que precisa ser mantida ocupada para 'esquecer' o ambiente normal de trabalho e/ou a sua casa. Uma cicloviagem é exatamente o contrário, a pessoa passa por um processo de individualização (ou interiorização) extremo. Precisa aprender a conviver consigo mesmo, não há outra saída. E nesse aprendizado a pessoa precisa enfrentar todos seus medos, suas deficiências e se apoiar nas suas qualidades. Uma cicloviagem é, acima de tudo, uma viagem para auto-conhecimento...
Bom, toda essa filosofia durou apenas 20 minutos, pois logo chegamos à praia, e aí... bom... relaxamos, hahaha...
Pedalamos vinte e poucos km pela areia até Passo de Torres (legal, nunca tinha feito). Lá, fizemos um bom almoço e fomos para a parte 'turística' do dia (o Gabriel já bem fora dos seus planos - mas no final ele me agradeceu, pois a tarde foi bem legal).
Passamos pelo centro de Torres, pelas praias principais e depois subimos o morro da Guarita. Ah, subimos PEDALANDO! hehehe... Lá em cima tiramos as melhores fotos da viagem. Momentos de contemplação, fizemos a volta no morro e novamente subimos uma trilhazinha pedalando, ufa!
Torres: aquele pontinho cor de laranja sou eu
No final, ainda rolou aquele banho de mar. Para mim, foi quase uma espécie de 'comemoração', já que estava a poucas horas do meu objetivo.
Foi um dia realmente turístico, valeu a pena. Nos despedimos no meu hotel e eu fui comprar uns presentes para as minhas filhas e bater perna na praia. Eu já estava de sangue-doce pois no dia seguinte teria somente mais uns 85 km, no plano. Barbadinha.
Km do dia: 82
Média pedalada: 18,7
6o dia:
O último dia não prometia nada especial, pois era apenas um trecho de praia/Estrada do Mar entre Torres e Imbé.
Fiz alguns km na Estrada do Mar, tirei algumas fotos da serra (que dia lindo de sol, por que não estou lá em cima hoje???? merda! rs....) e decidi entrar prá praia em Capão Novo.
Agito anormal na praia, até que percebi, era dia de Travessia Torres Tramandaí. Não tive dúvida, toquei de novo pela areia, mais 10 km até Capão da Canoa, passando por vários corredores (bom, na verdade teve um QUE ME PASSOU! rs....) e batendo papo com alguns dos apoios ciclísticos deles.
Lá em Capão da Canoa seria um ponto de pausa na corrida, para retomar depois das 14:00. Bom, meu círculo de amigos anda mesmo meio 'específico' e não deu outra, encontrei o Carlos, corredor de Lajeado que até já fez treino prá corrida de aventura mas disse que depois que viu o que eu estava fazendo ele desistiu de vez, rs, encontrei o Luis Grassel, esse tá em todas, mesmo, anormal seria não encontrá-lo, rs, e também identifiquei algumas camisetas das C.A.s.
De Capão até Imbé fui pela Av. Paraguassú, vi umas 1.536 praias diferentes (acho que em cada esquina eles dão um nome diferente prá praia). Tive que parar várias vezes pois o calor estava forte, mas cheguei às 14:00.
Fui recebido pelos meus tios e primos, cheios de perguntas, meio incrédulos (nem todos sabiam o que eu estava fazendo). Tive que passar a tarde de sábado contando minha aventura. Coitada da minha vó, quase com 90 anos, até agora ela ainda não conseguiu calcular a distância que eu tinha percorrido (acho que contaram prá ela que eu saí de Torres, hehehe).
Km do dia: 95
Média pedalada: 20,6
=================================
Bom, não preciso nem dizer que já saí dessa planejando a próxima. Parece que todos os receios (o que pode dar errado?) desaparecem no final da viagem, fazendo com que a gente só lembre das coisas boas que aconteceram.
Tá certo que absolutamente nada deu errado nessa viagem (nada que não dependa da vontade de São Pedro, eu quero dizer, rs...), nem mesmo furei um pneu sequer!!! Cansei? Sim! Mas disso tirei duas lições:
1) uma eu já sabia: que certas coisas só podem ser curtidas com um certo esforço. E, geralmente, quanto maior o esforço exigido para realizar tal coisa, maior é a satisfação por fazê-la. Isso é meio que um lema meu...
2) essa eu aprendi na viagem: cansaço é relativo. Se eu comparasse o cansaço no terceiro dia da minha viagem com um domingo em casa, olhando tv, eu diria que estava no extremo absoluto do cansaço possível, rs... Mas se eu comparasse o cansaço desse dia com o do dia anterior, veria que não era mais do que um passeiozinho! hehehe...
Bom era isso.
Abraços a todos.
Jean
PS: mais fotos da viagem
aqui